Em busca de mais rentabilidade, produtores rurais, sobretudo em Mato Grosso, começam a apostar na soja como uma terceira opção para a segunda safra, também conhecida como safra de inverno ou safrinha. Atualmente, milho e algodão costumam dividir as atenções nas regiões de Cerrado depois da colheita de verão. Devido aos baixos preços do milho colhido na segunda safra deste ano, o algodão tende a ganhar espaço em 2014, mas alguns agricultores já vão arriscar com a soja, depois de uma fase de testes que ganhou fôlego nas duas últimas temporadas.
Apesar da boa rentabilidade que poderá proporcionar, a safrinha de soja gera preocupações. O plantio de duas safras seguidas da oleaginosa tende a ter reflexos negativos sobre a produtividade das lavouras, por conta das características agronômicas das plantas e do ataque de pragas. Segundo especialistas consultados pelo Valor, a prática pode ser adotada, mas exige cuidado. E ainda existem gargalos simples, como a escassez de sementes adaptadas ao diferente período de plantio.
“Os principais problemas são fitossanitários, que não são impeditivos, mas são perigosos. Ferrugem, helicoverpa e ervas daninhas resistentes compõem um cenário não muito animador. Em relação à rotação de culturas, uma safra seguida da outra, feita somente uma vez, não vai penalizar o solo a ponto de exauri-lo”, afirmou o pesquisador da Embrapa Soja, Fernando Adegas. “O problema que pode surgir é uma perda natural da produtividade da planta, já que o ciclo ideal para plantio é mesmo na safra de verão. Características como temperatura, insolação e chuvas não serão as ideais. Será uma aposta”, disse.
O Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) estima que o Estado deverá reduzir em pouco mais de 300 mil hectares a área de milho na safrinha do ciclo 2013/14 em relação ao anterior, para 3,4 milhões. Já a produção deverá recuar quase 30%, para cerca de 16 milhões de toneladas. A redução da área é explicada pelos baixos preços, mesmo com uma reação nas últimas semanas no mercado local, em parte graças a medidas de apoio do governo para o escoamento.
No Brasil, a produção total de milho, somadas a primeira e a segunda safra, deverá somar entre 78,4 milhões e 79,8 milhões de toneladas, queda de até 3,1% sobre 2012/13. No Paraná, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), estima que a produção do cereal poderá ser até 1,6 milhão de toneladas menor nesta safra na comparação com a anterior.
Mesmo com o baixo astral em relação ao milho, não haverá uma corrida para a soja, pondera um técnico da Conab. A menor produtividade da oleaginosa por questões climáticas e pela elevada incidência de pragas, que ajuda a aumentar os custos, tende a desestimular boa parte das apostas na “soja safrinha” em 2013/14. “De ordem agronômica, o rendimento será menor que o da primeira safra. E será preciso ficar atento à ferrugem asiática e à lagarta helicoverpa”, afirmou.
“Também é preciso levar em conta o vazio sanitário – que varia de região para região do país, mas que em Mato Grosso proíbe a presença de plantas vivas de soja entre 15 de junho e 15 de setembro. Como o plantio da soja atrasou um pouco, o produtor terá que ter uma colheita rápida e um plantio idem, para ter certeza que vai colher antes do dia 15. Além disso, quem plantar soja na safrinha vai concorrer diretamente com a safra americana”, explicou.
Os custos de produção de fato podem fazer diferença na decisão do produtor, já que, para a oleaginosa de segunda safra, tendem a ser ligeiramente superiores aos da primeira, segundo a Conab. O plantio de soja transgênica na primeira safra deverá custar R$ 22,93 em Campo Mourão (PR), R$ 30,82 em Sorriso e R$ 34,17 em Primavera do Leste (MT). O Imea calcula que o custo de produção por hectare de soja subiu 36,64% nesta safra de verão em comparação ao da temporada passada.
E os produtores também têm esperança de que a abertura do mercado chinês ao milho brasileiro, acertada em recente reunião bilateral de alto nível, possa levar à valorização das cotações do cereal no Brasil. Com o acordo, o ministro da Agricultura, Antônio Andrade, estimou que os embarques totais de milho do Brasil para a China poderão chegar, no futuro, a 10 milhões de toneladas por safra. Essa demanda, se confirmada, poderá valorizar o produto e conferir uma maior liquidez a esse mercado.
Nesse contexto, alguns analistas acreditam que a soja poderá se firmar como uma alternativa para a safrinha, mas que o milho e o algodão continuarão a atrair a maior parte das apostas, a depender dos preços e dos custos.
De acordo com Nery Ribas, gerente-técnico da Aprosoja/MT, associação que representa os produtores de soja e milho do Estado, o produtor está acostumado a plantar o milho na segunda safra, mas não descarta repensar sua estratégia e partir para a soja.
“Até a última hora, o produtor vai esperar para ver como o mercado se comporta. Vai ver os preços e fazer as contas. Agronomicamente não é o mais indicado plantar duas safras seguidas de soja, mas o produtor, principalmente o grande, tem maquinário e estrutura para levar essa estratégia adiante”, disse. “Mas a incerteza domina”, reconhece.
Fonte: Valor Econômico
Comentar