Daqui para a frente, tudo tem de dar muito certo para ficar apenas ruim. Isso mesmo! Se a produção global de grãos não tiver um clima perfeito a partir de agora, o que resultaria numa "safra cheia", como dizem no setor, a oferta de alimentos será um caos.
Após uma quebra de safra nos EUA no ano passado, outra na América do Sul no começo deste ano e mais uma agora nos EUA, qualquer clima ruim na nova safra da América do Sul, que começará a ser semeada, provocará brutal redução nos estoques mundiais de alimentos.
Voltarão à tona as discussões sobre crise alimentar e eventuais políticas de segurança alimentar a serem adotadas por países dependentes da importação de grãos.
Os números são impressionantes. Apenas nesse período mencionado (nas safras do ano passado e deste), os EUA deixaram de colher 132 milhões de toneladas de milho. Algumas regiões da América do Sul, como o Sul do Brasil, também tiveram fortes perdas.
A redução na oferta de soja foi de 38 milhões de toneladas, quando comparadas as estimativas iniciais com a safra colhida nos Estados Undos e na América do Sul.
O relatório de oferta e demanda mundiais divulgado anteontem pelo Usda (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) aponta o cenário ruim do momento, registrando queda de 102 milhões de toneladas na produção de milho do país, comparando a meta inicial da safra com a produção efetiva que os norte-americanos terão.
O Usda tenta minimizar os efeitos da redução de safra provocada pela seca refazendo os números de consumo.
No caso do milho, por exemplo, a estimativa de consumo total dos EUA para a safra 2012/13 -o número inclui as exportações- é de apenas 285 milhões de toneladas. É um número irreal, uma vez que as exigências do mercado norte-americano já superam 320 milhões de toneladas por ano.
Só a produção de etanol consumiu 127 milhões de toneladas no ano passado. O Usda prevê uso menor de milho na produção desse combustível neste ano, mas essa queda tem um limite. O país tem um patamar de produção de etanol fixado por lei.
Para que os estoques mundiais sejam refeitos, o Usda aposta em safras maiores de milho e de soja no Brasil e na Argentina. Esses países ganhariam também fatia maior nas exportações mundiais.
Os dados da semana passada do governo norte-americano apontaram que o Brasil exportará o recorde de 14 milhões de toneladas de milho e 38 milhões de toneladas de soja.
Preços internacionais elevados e dólar mais favorável permitem essas exportações. O problema é a logística para a saída desses produtos.
A escassez de grãos força a alta nos preços. Isso é bom para toda a cadeia agrícola, que passa a ter margem maior na comercialização. Na outra ponta, no entanto, estão as indústrias processadoras de alimentos, que pagam mais pela matéria-prima e vão repassar os aumentos de custos para os consumidores.
Os dados de inflação divulgados na semana passada pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) indicam que o consumidor paulistano está pagando 2% mais pelos óleos de soja e de milho nos últimos 30 dias.
Esse deve ser apenas o início dos reajustes, uma vez que a alta de preços no campo demora várias semanas para chegar ao varejo.
Nos últimos 30 dias, a inflação média teve elevação de 0,16% em São Paulo, aponta a Fipe.
Seca severa afeta 90% das plantações de milho nos EUA
Preço da carne, dos ovos e dos laticínios deve aumentar até 5% nos RAUL JUSTE LORES
DE NOVA YORK
Cerca de 65% do território dos EUA, excluindo Alasca e Havaí, sofre uma das mais severas secas da história.
Segundo estimativas do governo americano, o preço da carne, dos ovos e dos laticínios deve aumentar de 4% a 5% nos próximos 12 meses.
Quase 90% das plantações de milho foram afetadas, e as consequências vão da pecuária à energia.
O grão é usado como ração para os rebanhos locais e também na produção do etanol norte-americano.
Mas o efeito é global, pois 32% da produção mundial de milho é norte-americana.
EUA, Brasil e Argentina são os principais exportadores do cereal.
O preço do grão subiu 33% nos últimos três meses.
Essa alta é comemorada pelos produtores, que têm renda maior, mas já afeta a inflação e os custos de produção das carnes, já que os preços do farelo de soja e do milho são itens importantes na composição da ração.
A colheita de soja nos EUA é a menor em cinco anos, e a de milho, em seis anos.
As perdas devem chegar a bilhões de dólares. A produção de milho gerou renda de US$ 76,5 bilhões no ano passado no país (como comparação, o faturamento total da Vale é de US$ 60 bilhões).
CALOR
Este já é o ano mais quente da história dos EUA, desde as primeiras medições oficiais, em 1895.
Cerca de mil condados em 29 Estados foram declarados área de desastre natural, o que permite financiamento federal a juros baixos para os produtores e que áreas de conservação e reserva sejam usadas como pasto.
O maior efeito político da seca, até agora, no entanto, é a pressão para a aprovação no Congresso de um pacote de incentivos e subsídios agrícolas de US$ 1 trilhão nos próximos cinco anos.
Mas setores do Partido Republicano contrários ao pacote conseguiram empurrar a votação para depois do recesso de verão do Congresso norte-americano, que começou na quinta-feira e dura cinco semanas.
MAURO ZAFALON
COLUNISTA DA FOLHA DE SÃO PAULO
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