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Agronegócio sobre trilhos?

A competitividade da agricultura se baseia principalmente na aplicação de tecnologia, elevação da produtividade e ganhos de eficiência da "porteira para dentro". Mas, do lado de fora, os produtores incorrem em custos elevados tanto para se abastecer de insumos e equipamentos utilizados na produção como para levar seu produto ao consumidor final. Um dos maiores obstáculos é a reconhecida ineficiência logística, que se traduz em custos de transporte elevados e serviços de má qualidade. No período recente, essa ineficiência tem sido absorvida pelos preços internacionais elevados, que não durarão para sempre, apesar dos cenários positivos para os próximos anos.

Na exportação de grãos os gastos logísticos (custo do transporte rodoviário e ou ferroviário acrescido das despesas portuárias) podem absorver até 40% da receita do produtor. O modal rodoviário tem como vantagens a rapidez e a característica "ponta-a-ponta": carrega-se no local de embarque e descarrega-se no terminal portuário. Porém, a frota envelhecida de veículos, com idade média superior a 20 anos, opera em um círculo vicioso contínuo: estradas ruins elevam os custos de manutenção dos veículos e veículos velhos elevam o custo de transporte, reduzem a eficiência e ainda danificam a já precária infraestrutura instalada.

Em alguns locais, teto da tarifa ferroviária à agricultura é o custo do transporte rodoviário, e não o limite da ANTT

A ferrovia seria uma alternativa para aumentar a competitividade dos produtos agrícolas, já que todos os estudos mostram que o frete ferroviário pode ser mais barato do que o rodoviário. Na prática, entretanto, esse não é o cenário observado no Brasil. Mesmo no Paraná, onde as produção está próxima ao porto de Paranaguá, o transporte é feito por uma matriz desbalanceada entre os modais rodoviário e ferroviário, com custos que penalizam excessivamente o agricultor.

O transporte ferroviário cresceu e o desempenho das ferrovias melhorou após a privatização dos anos 90, mas diversas características do modelo de concessão e da malha ferroviária fazem com que as concessionárias exerçam danoso poder de monopólio. A baixa diversidade da malha (só uma linha chega a determinado destino) e a característica de sua operação (a concessionária possui os equipamentos de transporte e opera com exclusividade na linha arrendada da União), são duas explicações para a conduta monopolista. Em momentos de pico, a concessionária pode escolher os clientes e obviamente opta pelos que aceitam pagar mais pelo serviço.

Mas é possível que as empresas ferroviárias determinarem o preço de um serviço público? Não e sim. Teoricamente a concessionária está limitada pelo teto estipulado pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), que deveria representar o interesse da sociedade e "assegurar aos usuários adequada prestação de serviços de transporte terrestre e exploração de infraestrutura rodoviária e ferroviária outorgada". Sim porque esse teto tarifário, definido em função das condições vigentes quando do contrato de concessão em 1996 e 1997, é muito elevado, muito acima das próprias tarifas praticadas hoje, o que o torna inócuo para a definição de tarifas equilibradas.

Em 2011 a ANTT divulgou novas regras para o setor ferroviário, que buscam adequar o marco regulatório às condições de hoje e abrem perspectiva de renegociação dos contratos, tanto na parte tarifária como na oferta dos serviços com a reincorporação de trechos da malha que foram abandonados por serem menos rentáveis.

A ANTT também apresentou um novo modelo de revisão tarifária do setor ferroviário, que prevê reduções médias de 15% no preço-teto estipulado para o transporte de carga geral. Será a primeira vez, desde a privatização, que o setor passa por uma revisão de tarifas, que até agora foram reajustadas pelo IGP-DI, apesar de a legislação permitir revisões periódicas a cada cinco anos. Nos últimos 15 anos o perfil da carga transportada, o custo e a produtividade das empresas mudaram, mas nada foi repassado para a tarifa.

As novas regras estão em consulta pública até 20 de abril (o prazo foi prorrogado duas vezes) para receber contribuições da sociedade, e a resolução deve sair ainda no primeiro semestre de 2012. Até lá, as concessionárias travam queda de braço com a ANTT para limitar a mudança das tarifas, com o argumento de que a redução comprometeria a capacidade de investimento e limitaria o crescimento do transporte sobre trilhos, que hoje responde por apenas 25% de toda carga movimentada no Brasil.

Não é possível entrar nos detalhes técnicos do estudo que embasa a proposta da ANTT, mas é importante indicar alguns pontos para reflexão. É preciso explicitar, com mais clareza, o próprio modelo utilizado pela ANTT, as bases de dados, informações e parâmetros. Isto pode ser feito por meio de uma audiência técnica qualificada, com a participação dos responsáveis pelo estudo e os técnicos representando a sociedade e grupos interessados.

Este exercício permitiria esclarecer e refinar vários pontos, como por exemplo a adoção de apenas um ano (2009, bastante atípico em função da crise internacional) como referência para definir tarifas que vigorarão a partir de 2012; ou a utilização de gastos e receitas efetivamente realizados sem considerar cenários alternativos de utilização do modal ferroviário caso as tarifas e condições fossem outras. Também é importante explorar as relações entre produtividade e eficiência diferenciada das malhas e os tetos tarifários, de modo a reduzir a ineficiência. Finalmente, é preciso incorporar à discussão, a concorrência entre os modais de transporte. No caso do agronegócio, o teto da tarifa ferroviária tem sido em muitos locais o custo do transporte rodoviário, e não o limite da ANTT.

A revisão da tarifa teto ferroviária é uma excelente oportunidade para aumentar a competitividade da agricultura brasileira. O desafio da concessão é equilibrar o interesse das concessionárias e dos usuários do transporte ferroviário, atualmente desbalanceado e causando prejuízos ao país. É possível vencer este desafio!

Fonte: Valor Online – São Paulo/SP – OPINIÃO –

 Antônio M. Buainain e Pedro Loyola e Priscilla B. Nunes

Antônio Márcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp. E-mail: buainain@eco.unicamp.br.

Pedro Loyola é coordenador do Departamento Técnico e Econômico da FAEP. E-mail: pedro.loyola@faep.com.br.

Priscilla Biancarelli Nunes é coordenadora do Grupo Esalq-Log. E-mail: pbnunes@esalqlog.esalq.usp.br.
 

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