Dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na quarta-feira indicam que, neste ano, a safra brasileira de soja deve crescer 25,3%, recuperando-se do mau desempenho causado pela seca em regiões produtoras em 2012.
Como os preços da oleaginosa estão elevados no mercado mundial, em razão das previsões de queda na produção nos Estados Unidos, as exportações devem gerar receita recorde para o Brasil.
Segundo a Agência de Comércio Exterior do Brasil (AEB), essas vendas alcançarão US$ 31,5 bilhões neste ano, ultrapassando as receitas que devem ser geradas pela exportação de minério de ferro (US$ 29,5 bilhões).
A última vez que as exportações do chamado "complexo da soja" (que incluem grãos, farelo e óleo de soja) superaram as de minério de ferro no Brasil ocorreu em 2009, quando, ainda no início da crise econômica mundial, os preços do metal despencaram.
Nos últimos três anos, graças à retomada parcial do apetite das siderúgicas chinesas, o minério de ferro voltou a se valorizar e a liderar a lista de principais produtos exportados pelo Brasil.
Em 2013, porém, incertezas quanto ao desempenho do setor siderúrgico chinês tornam difícil prever qual será o preço médio do bem.
Enquanto algumas instituições, entre as quais o banco Goldman Sachs, avaliam que a cotação do minério de ferro se manterá próxima da valorização de 80% conquistada desde outubro, a AEB e a Consultoria Tendências acreditam que o preço atual é insustentável e cairá.
"Essa queda permitirá à soja ultrapassar o minério de ferro. Mas se o metal mantiver o preço, continuará sendo principal produto de exportação do país", diz à BBC Brasil o presidente da AEB, José Augusto de Castro.
Debate
Capaz ou não de deixar para trás o minério de ferro em 2013, o resultado da soja neste ano joga luz sobre um velho debate entre economistas brasileiros: deve-se comemorar o desempenho do setor ou condenar que produtos primários – que também englobam o minério de ferro – liderem as exportações do país?
"Quando você analisa o valor da receita (gerada pela venda de soja), comemora. Quando compara a qualidade da exportação, fica preocupado", diz Castro.
Hoje, segundo a AEB, 70% das exportações brasileiras são compostas por commodities (matérias-primas), bens sobre os quais o Brasil não detém qualquer controle de preço.
"Nossa preocupação não é que o Brasil exporte muita commodity, é que só exporte commodity. Ficamos ao sabor da saúde financeira do mundo: se ele vai bem, ficamos bem, se vai mal, ficamos mal", afirma ele.
Segundo Castro, em tempos de crise econômica global, quando há maior volatilidade nos preços de produtos básicos, a concentração desses bens na pauta de exportações torna especialmente difícil prever receitas e planejar investimentos. "Tanto é assim que o governo brasileiro não tem projeções de exportação para 2013."
As exportações são fundamentais para a saúde financeira de um governo, já que que irrigam os bancos nacionais com moeda estrangeira, permitindo o pagamento de dívidas externas e de importações e a criação de reservas em moeda forte.
"Equilibrar as exportações de commodity e de produtos industrializados é uma forma de mitigar riscos e fazer planejamento. As manufaturas, além de gerarem mais receitas, têm uma volatilidade menor de preços", diz Castro.
Impostos
Mesmo no caso da soja, afirma ele, o Brasil tira menos proveito do que poderia caso industrializasse o produto.
Hoje, cerca de 70% da soja produzida pelo Brasil é vendida em grãos, 28% em farelo e 2% em óleo. O preço da tonelada do óleo de soja é mais do que duas vezes maior do que a tonelada do grão ou do farelo.
"Se em vez de soja em grão exportássemos o óleo de soja, como faz a Argentina, geraríamos mais receita e mais empregos qualificados."
O presidente da AEB diz, porém, que o sistema tributário brasileiro indiretamente estimula a exportação do produto bruto, uma vez que a industrialização resultaria na cobrança de impostos que baixariam as margens de lucro dos produtores.
Para o engenheiro agrônomo Leonardo Machado, técnico da Faeg (Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás), mesmo que exportada em grãos, a soja gera benefícios em cadeia para a economia brasileira.
Ele diz que o plantio e escoamento da oleaginosa movimenta a economia das regiões produtoras, ao requerer a compra de máquinas e caminhões, criar empregos, estimular investimentos imobiliários e recolher impostos.
Machado atribui o sucesso da soja a três fatores principais: a oferta de crédito aos produtores, o avanço tecnológico no setor e a forte demanda externa pelo produto (principalmente da China), que facilita a comercialização do produto.
Trajetória
Ele conta que, no Brasil, a soja começou a ser produzida em escala comercial nos anos 60, no Rio Grande do Sul, quando um programa governamental estimulava que produtores de trigo também plantassem a oleaginosa.
"Eles acabaram se especializando na soja e, nas décadas seguintes, migraram para o Sudeste, Centro Oeste e, nos últimos anos, também ao Norte e Nordeste."
O avanço do setor nesse período, diz ele, teve participação fundamental de empresas multinacionais e da Embrapa, que desenvolveram variedades de soja adaptáveis ao Cerrado, onde a produção nacional hoje se concentra, além de plantadeiras e colheitadeiras.
Para Machado, a produção poderia se expandir ainda mais, sem prejudicar outras lavouras nem desmatar novas áreas, se houvesse melhores condições de transporte.
Hoje, estima-se que até 75% dos gastos com o transporte da soja colhida em Mato Grosso, maior produtor nacional, e vendida para a China sejam consumidos em deslocamentos rodoviários da área de cultivo até o porto brasileiro onde a carga é embarcada.
"A soja não é um produto para ser transportado em caminhões, mas sim em trens ou barcos", defende Castro, da AEB. "Quando a cotação está alta, o custo do frete interno é absorvido, mas, se amanhã o preço da soja cair, podemos ficar sem condições de exportar."
ATR Brasil
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