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Um risco para a logística do comércio exterior

A MP 612 propõe um conjunto de medidas importantes para o desenvolvimento econômico do país. Desonera, a partir de 1º de janeiro de 2014, a folha de pagamento de mais 14 setores da economia, como o transporte público de passageiros, o transporte rodoviário e marítimo de carga e a construção de obras de infraestrutura, além de empresas de radiodifusão e jornalismo. Com a medida provisória, o governo abrirá mão de R$ 5,4 bilhões, subindo de R$ 19,3 bilhões para R$ 24,7 bilhões a renúncia fiscal prevista para 2014 em razão da desoneração da folha de pagamento. Com essa MP, o número de setores beneficiados chega a 56.

Além dessas medidas de desoneração, a MP contempla a alteração do marco regulatório de portos secos, propondo a figura dos Clias – Centros Logísticos e Industriais Aduaneiros. A principal mudança refere-se à eliminação da necessidade de licitação para operação de Clia pela iniciativa privada, que poderá fazê-lo mediante simples autorização.

As exportações/importações cresceram de US$ 100 bilhões para US$ 480 bilhões, entre 2002 e 2011. Além disso, o comércio exterior brasileiro, entre 2009 e 2011, cresceu proporcionalmente mais que o da China, Rússia, India e Japão; o dobro do dos EUA e Canadá; e o triplo do da Alemanha.

Recintos alfandegados são considerados instâncias de defesa da nação e passíveis de controle pelo Estado

Com esse grande crescimento da movimentação de cargas, é preciso reavaliar a infraestrutura logística brasileira e tomar medidas para que ela continue atendendo a essa demanda, com qualidade e tarifas módicas. Todos sabemos que há ineficiências nas cadeias logísticas de cargas em nosso país. Problemas como insuficiência de silos para grãos e utilização do modal rodoviário, com elevado peso na matriz de transportes, por limitações dos modais ferroviário e aquaviário, exigem medidas e investimentos se quisermos manter ou aumentar a competitividade dos nossos produtos no comércio exterior. Entretanto, nenhum estudo aponta para os portos secos, agora chamados de Clias, como responsáveis por entraves para uma logística eficiente.

Atualmente, existem 63 portos secos em funcionamento. Todos operados pela iniciativa privada, via licitação pública, com contratos rigorosos e prazo de vencimento. Operam com a adequada capacidade ociosa em torno de 30%, cobram tarifas 50% menores do que o permitido pela Receita e são escolhidos pelo importador/exportador. É uma atividade que precisa de alta escala para garantir esses preços dos quais ninguém reclama.

Como ainda não estamos no paraíso logístico, é natural que quando a Receita Federal resolver planejar essa atividade descobrirá necessidades de novos portos secos para algumas regiões do país.

Qual o problema então da MP 612, na parte referente aos Clias? É a liberação da operação de portos secos pela iniciativa privada, sem licitação, sem contrato, sem prazo, e sem planejamento do governo.

A partir dessa nova regra, quem tiver um armazém ou uma razoável área para construí-lo poderá requerer autorização para implantar e operar um Clia. Os requisitos para esse direito são mínimos. Assim, poderão surgir uma centena de pedidos, por exemplo.

Na nova regra, os órgãos anuentes necessários nesse tipo de recinto (Receita, Anvisa, Agricultura e Exército) terão o prazo de um ano para alocar funcionários nessa centena de Clias. Após isso, se os órgãos não viabilizarem pessoas, o prazo será prorrogável por mais um ano. Se, ao final desses dois anos, isso não acontecer, os proprietários dos centros logísticos poderão operar livremente, por sua própria conta, sem fiscalização dos órgãos de governo. Não é difícil imaginar o risco de passar contrabando e drogas por esses locais. Parece mentira, mas é assim que está na MP 612.

A justificativa dessa liberação via autorização, de que é muito difícil realizar licitação para novos portos secos, é insustentável. Por se tratar de serviço público, a Constituição Federal assim o exige. Na contramão desse argumento, nos últimos três meses, duas licitações de portos secos estavam em andamento, com sucesso: em Pernambuco e na Bahia. Onde a dificuldade?

Mas há outro aspecto importante a se considerar, em relação a essa MP. Os portos secos, para garantir atendimento a dezenas ou centenas de usuários, com tarifas módicas, precisam ter um ou dois usuários-âncora, que bancam entre 50% e 60% dos custos das operações. Isso é vital para a modicidade tarifária.

Com essa nova lei, a tendência é que a grande maioria desses usuários-âncora montem seus próprios recintos alfandegados e saiam dos portos secos. Com isso, estes não terão a escala necessária para atender esse grande conjunto de usuários menores. Fecharão suas portas por inanição provocada pela nova lei, deixando milhares de usuários desamparados.

Os portos secos e demais recintos alfandegados, em todos os países desenvolvidos, são considerados instâncias de defesa da nação e, portanto, passíveis de rigoroso controle pelo Estado. Será que seremos diferentes de todos esses países? Qual o motivo?

Assim, para evitar que isso ocorra, a MP 612 necessita de artigos que exijam planejamento e licitação pública para novos Clias, que somente funcionarão quando e se houver funcionários disponíveis para ali serem alocados, garantindo a mão do Estado no controle de atividade estratégica para o Brasil.

Essa medida garantirá que a logística do comércio exterior se mantenha eficiente e eficaz, contribuindo para o desenvolvimento do país.

José Augusto Valente, pós-graduado em Transportes pela COPPE/UFRJ, é ex-presidente do DER-RJ e ex-secretário de Política Nacional de Transportes do Ministério dos Transportes. É consultor em logística e diretor-executivo do portal T1 de logística e transportes.

Valor Econômico

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