A crise de preços que atinge o feijão, especialmente o de cor, terá impacto expressivo na próxima safra. Parte dos produtores pretende abandonar temporariamente a cultura e o setor espera uma redução de área entre 10% a 15% na safra das águas no Paraná — maior produtor nacional, com três plantios durante o ano.
As previsões oficiais para a safra serão divulgadas nesta semana pela Secretaria da Agricultura e do Abastecimento (Seab). De sua parte, o mercado projeta uma área semeada de cerca de 200 mil hectares (38 mil hectares a menos que 2013/14) no Paraná, relata o analista da Correpar, Marcelo Lüders.
A saca de 60 quilos de feijão carioca tem sido negociada por R$ 30 na maior parte das regiões do estado, menos de um terço do preço mínimo fixado pelo governo federal (R$ 95/sc). Alguns produtores chegaram a vender a saca por R$ 10. Outros fizeram distribuição gratuita, em forma de protesto. Em setembro do ano passado, as cotações eram R$ 126, em média, conforme a Seab. A desvalorização em um ano é de 60%.
O desânimo com os preços afetou a decisão de plantio mesmo de agricultores fiéis ao grão. Marcos Antônio Barea, de Três Barras do Paraná – conhecida como a cidade do feijão –, desistiu provisoriamente da cultura após 35 anos. “Nas próximas safras não entra feijão aqui na fazenda. Na vizinhança ninguém vai plantar nem agora, nem na safrinha.”
O município foi o primeiro a organizar manifestação contra a situação e a falta de intervenção do governo federal para a garantia do mínimo. Outras são planejadas para ocorrer em Ivaiporã e Pato Branco.
O secretário de Agricultura de Três Barras do Paraná, Valdemar Callegari, afirma que há pelo menos 30 mil sacas guardadas em galpões sem compradores. “É um falta de respeito. Quando eles [governo federal] vão cumprir a promessa do mínimo? Esse descaso nunca ocorreu. É a maior crise que o setor passa, segundo os próprios produtores”, afirma.
A terceira safra de feijão começa a entrar no mercado e ainda restam 92,3 mil toneladas da segunda safra a serem comercializadas no estado, segundo a Seab. Para Luders, os problemas vão afetar toda a cadeia produtiva. “Vai quebrar produtor e empacotador. Os custos subiram e o valor do produto não para de cair. Já há várias empresas pensando em demissão”, revela.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) afirma que, deste volume, apenas o produto enquadrado nos tipos 1 e 2, de maior qualidade, pode ser adquirido pelo governo. Por esse motivo, em nota, o órgão afirmou que “o problema da aquisição do feijão tem magnitude menor do que algumas entidades pretendem divulgar”.
A afirmação rebate avaliação da Federação da Agricultura do Paraná (Faep) de que há 150 mil toneladas para escoamento. A entidade vem alertando há cinco meses que o setor teria prejuízo sem apoio do governo. O recuo na produção tende a elevar os preços, em solavancos que impulsionam a inflação dos alimentos.
Problemas em armazéns travam aquisições
Problemas de documentação em armazéns da Companhia de Desenvolvimento Agropecuário do Paraná (Codapar) têm travado novas compras de feijão no estado. A informação é do governo federal. A Secretaria do Tesouro, ligada ao Ministério da Fazenda, alega que não pode liberar mais recursos enquanto os R$ 22 milhões destinados à Aquisição do Governo Federal (AGF), em junho, não forem totalmente gastos. Devido às pendências burocráticas, cerca de R$ 7 milhões ainda estão nos cofres da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Houve problemas em três galpões do órgão em Campo Largo, Campo Mourão e Maringá, conforme o diretor técnico da Codapar, Sinval Reis. Ele justifica que as exigências para credenciar os armazéns ficaram mais rígidas após uma série de irregularidades descobertas na Conab em 2013, após operação da Polícia Federal. “Tudo já foi resolvido e encaminhamos a documentação para a Conab. Nesta semana eles vão estar regularizados”, garante Reis.
Em nota, a Conab informou que já pediu mais R$ 75 milhões para aquisição de feijão e a abertura de leilões de escoamento de trigo e milho no Paraná. O órgão afirma que tem “tentado autorizar a compra mesmo sem a alocação imediata do recurso, que só ocorreria no momento efetivo do pagamento.”
O setor produtivo questiona os argumentos do governo federal e diz que faltam recursos. O economista da Federação da Agricultura do Paraná (Faep) Pedro Loyola argumenta que “problemas semelhantes não travam leilões de milho em Mato Grosso”.
O analista de mercado da Correpar, Marcelo Lüders, afirma não ser o momento para rigor burocrático. “O governo tem ludibriado o produtor. O primeiro escalão do Ministério da Agricultura diz que há recursos. Na prática, os produtores estão enterrando feijão [para adubo] ou vendendo a saca por preços muito baixos, de até R$ 10”, critica.
Fonte: Gazeta do Povo – 02/09/2014
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