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Microorganismos em alta no campo

O mapeamento dos milhares de microorganismos que habitam o corpo humano mostra que as bactérias que povoam as mãos são diferentes das que estão nas dobras do joelho, que não têm relação com as das costas e muito menos com as do umbigo. Cada membro do corpo tem um grupo específico de microorganismos que interage à sua forma, acelerando ou atrapalhando o metabolismo humano.

Essa deve ser também a lógica para as plantas, e é em busca desse conhecimento que estão pesquisadores do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq). O vasto universo de organismos existentes na terra, nos caules e nas extremidades das folhas pode trazer respostas surpreendentes para quem busca elevar a produtividade do campo.

“Há uma média de 1 bilhão de células para cada grama de solo. Não conhecemos 10% desses organismos. Somos primitivos nessa área”, afirmou Fernando Dini Andreote, representante do grupo da Esalq que recebeu ontem o 59º Prêmio Fundação Bunge, na categoria Juventude, sob o tema “Produtividade Agrícola Sustentável”.

Em tempos de desafios agronômicos globais para atender à crescente demanda por alimentos, os pesquisadores da universidade paulista ajustaram seu foco para uma demanda recente do agronegócio, onde grandes grupos têm investido em aquisições ou parcerias com empresas de controle biológico – que usam microorganismos para o manejo das lavouras.

Estimativas do setor sugerem que apenas a área povoada com vírus registrados para o combate emergencial da lagarta helicoverpa em plantações de grãos passou de 200 mil para 6 milhões de hectares nas últimas duas safras no país. Em dez anos, o mercado de controle biológico deverá representar, no total, 10% do mercado de produtos de proteção de cultivos no país, avaliado em US$ 11 bilhões, conforme a Associação das Empresas de Controle Biológico (ABCBio). Hoje a fatia é de 1%.

“Percebemos que a ênfase das pesquisas está na física e na química do solo, e não na biologia do solo, que é o assunto menos estudado”, disse Andreote. “Estamos falando da maior biodiversidade do planeta, que precisa ser incorporada no desenvolvimento agrário mundial. É preciso entender melhor o papel desses organismos”.

Em Piracicaba, no interior paulista, a opção foi usar a cana-de-açúcar como objeto de estudo. Mais de 100 áreas de cultivo de 11 usinas participam do desenvolvimento da pesquisa. Além de identificar bactérias, fungos, nematoides e outros atores, a intenção é checar se há diferença também entre regiões do país – ou seja, se o organismo que habita um canavial no Centro-Oeste, por exemplo, é o mesmo identificado em São Paulo.

“Hoje, metade da área plantada com cana no Brasil, de 9 milhões de hectares, já usa controle biológico”, disse o professor do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq, José Roberto Postali Parra, também presente ao evento realizado ontem em São Paulo.

O grupo trabalha tanto com paisagens naturais – Caatinga, manguezais e agora também a Amazônia – quanto com pastagens para fazer um paralelo com o mundo subterrâneo dos canaviais. Nesse sentido, em breve estenderá as pesquisas para áreas de florestas ocupadas por pastagens para averiguar qual a resposta microbiológica à mudança do uso da terra.

De acordo com Andreote, as pesquisas estão afinadas com as demandas do setor privado. O grupo da Esalq conta com apoio da Embrapa, do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), da Universidade de Groningen, da Holanda, e agora também da Universidade da Califórnia, dos Estados Unidos.

Para o pesquisador Hiroshi Noda, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, o “reducionismo na ciência tem que ser banido”. Segundo Noda, também vencedor do Prêmio Bunge, na categoria “Vida e Obra”, as práticas agrícolas baseadas na lucratividade precisam se adaptar aos novos tempos e levar em consideração a diversidade.

No Brasil, existem atualmente em torno de 60 defensivos biológicos registrados pelo Ministério da Agricultura. Cerca de outros 200 estão na fila em busca de registro, conforme Gustavo Herrmann, presidente da ABCBio.

Fonte: Valor Econômico

André Amorim

Jornalista desde 2002 com passagem por blog, jornal impresso, revistas, e assessoria política e institucional. Desde 2013 acompanhando de perto o agronegócio paranaense, mais recentemente como host habitual do podcast Boletim no Rádio.

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